sábado, 6 de novembro de 2010

A virada do morango




Piedade, SP, recupera os plantios com variedades que dão origem a frutas de fina qualidade – maiores no tamanho e doces no sabor
por Janice Kiss | Fotos: Marcelo Min

Produtores estão dispostos a ganhar o consumidor com a oferta de um fruto diferenciado
É agora no final do ano que os produtores de Piedade, cidade a 85 quilômetros de São Paulo, se preparam para a safra mais farta do morango, cujo ciclo de produção abrange os meses de maio a janeiro. Mas não se trata da colheita de um fruto qualquer. As variedades camarosa e camiño-real, cultivadas no município, vêm da Argentina e do Chile e dão origem a uma fruta mais gorducha (pesa dez gramas a mais, em média) e de sabor adocicado – ao contrário do cultivar toyonoka, de procedência japonesa, mais leve (entre 25 e 30 gramas) e mais ácido.

Há seis anos, os agricultores fizeram essa troca porque não compensava despejar no mercado frutos semelhantes aos produzidos em Jarinu e Atibaia, municípios vizinhos e concorrentes que foram responsáveis pela maior parte dos 5 milhões de caixas da safra paulista no ano passado. “Fazíamos mais do mesmo. Agora, queremos ser conhecidos pelos morangos de alta qualidade”, afirma Adélcio Vieira de Jesus.

O produtor se decepcionou muito com o antigo cultivo, que não tinha o valor merecido e enfrentava um trio de inimigos – pulgão, ácaro e tríplice – que derruba qualquer plantação. O combate é feito por meio de agrotóxicos, e a aplicação, às vezes, chega a ser semanal, dependendo do grau de infestação. A prática pesa no bolso do agricultor e colabora para a fama da fruta de ser uma das que mais recebem pesticidas durante seu crescimento. Contrariados, Adélcio, o irmão Juraci e a esposa, Silvana, chegaram a substituir os canteiros pela horticultura, como fizeram tantos outros na cidade. Há pouco mais de uma década, o morango quase foi extinto em Piedade.

A virada da situação chegou de um jeito inesperado para todos eles. O engenheiro agrônomo Osmar Borzachini, da Casa da Agricultura local, procurava por produtores capazes de atender ao pedido de uma indústria japonesa de geleias. Osmar tinha conhecimento dessas variedades mais resistentes, de cor e tamanho diferenciados, e incentivou os agricultores a plantá-las para a exportação. Porém, eles conseguiram enviar apenas a primeira carga de 20 toneladas rumo ao Japão, surpreendidos pela queda do dólar e o fortalecimento da moeda nacional. “Seria falta de juízo não escoar as colheitas para o mercado interno”, relembra Adélcio.


Adélcio Vieira (à esquerda), o irmão Juraci e a esposa, Silvana, são experientes no cultivo cheio de delicadezas, que não gosta de sol nem umidade em excesso
Só que, dessa vez, os agricultores tinham um produto diferenciado para competir na praça. Adélcio se animou e passou a cultivar 63 mil pés em dois hectares, que lhe garantem a colheita de 60 mil caixas durante o ciclo. A produção costuma ser comercializada de duas formas: nas tradicionais bandejas de plástico, com frutos sobrepostos (R$ 2,50 cada – preço para o consumidor), ou de isopor, com morangos graúdos enfileirados (de R$ 3,50 a R$ 4 por unidade). Alguns rotulam a embalagem com nome e telefone para contato. “Isso cria proximidade com o comprador”, analisa Osmar.

Adélcio não esconde o desejo de ver sua cidade retomar o título de capital do morango que já teve um dia. “Daqui a um tempo, não seremos apenas conhecidos como a terra da alcachofra”, diz, referindo-se à fama local. Atualmente Piedade conta em torno de 120 produtores dedicados ao cultivo do morangueiro.

As variedades trazidas da Argentina e do Chile têm um série de vantagens – mudas mais sadias, maior durabilidade na prateleira, resistência a fungos e pragas, e, por isso, menor aplicação de agrotóxicos –, mas também precisam de condições ideais (calor constante de 25 °C e temperaturas de 15 ºC a 18 ºC na época da indução da flor) para o fruto se desenvolver sem percalços. O próprio Osmar, que arrendou cinco hectares para cultivo próprio, já “apanhou” com as sutilezas do plantio. “Um dia está tudo perfeito, no outro pode aparecer do nada uma praga na plantação”, desabafa.




Gorduchas e adocicadas são as frutas que chegam ao mecado paulista
Por isso, ele investiu na irrigação por gotejamento, para que a planta consuma a quantidade correta de fertilizante e água. Outra novidade que ele e os produtores estão dispostos a implantar é um túnel de plástico com cobertura removível sobre os canteiros, a fim de conter o excesso de sol e umidade, prolongando o ciclo da cultura. “Com essa medida, o morangueiro chega a ter rendimento 50% superior, porque se torna produtivo durante mais tempo”, explica. Por enquanto, a plantação exposta ao tempo permite ao produtor colher um quilo da fruta por planta. Os cultivos com a variedade tradicional rendem 750 gramas por pé.

É certo que tanta vantagem tem seu preço. Cada muda, comprada em caixas com mil unidades, sai a R$ 0,36 centavos, quase o dobro da convencional. O agrônomo Osmar Borzachini calcula que o custo final, por planta, seja de R$3,60, incluindo a fertirrigação. Segundo ele, os produtores estão dispostos a arcar com a conta mais alta. “O sonho é voltar a produzir muito morango, como no passado”, confirma Adélcio de Jesus. Com a diferença de que, agora, eles querem ser reconhecidos por produzirem uma fruta especial, mais suculenta e adocicada. matéria : revista globo rural

Nenhum comentário:

Postar um comentário