domingo, 28 de novembro de 2010

A mais antiga empresa familiar do país


Quarta geração no comando do grupo Ypióca, Everardo Ferreira Telles tem nas mãos uma empresa com 163 anos de mercado. É uma das maiores fabricantes de cachaça do Brasil, com faturamento de R$ 200 milhões por ano

Dia 31 de março de 1990. Essa data, Everardo Ferreira Telles, 66 anos, quarta geração no comando do Grupo Ypióca, não esquece. Acordado na madrugada com um telefonema, avisando sobre um incêndio na empresa da família, ele a princípio achou que não passava de um trote. Como o homem do outro lado da linha parecia cada vez mais desesperado, resolveu ir até o local. Mal dobrou a avenida que dava acesso à sede, enxergou as labaredas. A empresa, criada por seu bisavô Dario Telles de Menezes, em 1846, estava prestes a virar cinzas e, com ela, todo o trabalho de quatro gerações da família. “Nessa hora não adianta lamentar, tem que agir e, se preciso, até dar uma de louco para tentar salvar o que mais tarde vai ajudar a reerguer o negócio”, diz Telles. “Foi o que eu fiz. Gritei para os bombeiros que esquecessem a cachaça estocada e preservassem os arquivos dos clientes. Naquela época não havia computador, e todo o histórico da empresa era guardado em fichas.”

Foram três dias assistindo aos caminhões que recolhiam o entulho. Perderam a fábrica e 15 dias de produção, o equivalente na época a 15 mil caixas de cachaça. Para tentar reerguer a empresa, os fornecedores garantiram o abastecimento para pagamento futuro e os amigos colaboraram na construção da nova área com material e mão de obra. A única máquina menos avariada pelo fogo passou a produzir em uma área improvisada, coberta com lona. “Foi duro, mas em 120 dias já estávamos operando normalmente, apesar de a então ministra Zélia Cardoso de Mello negar a liberação do nosso dinheiro, confiscado com o Plano Collor”, afirma Telles. “É nessa hora que as empresas precisam estar bem capitalizadas para conseguir driblar os prejuízos sem depender de bancos.”



TECNOLOGIA DE PONTA
São 2000 milhões de litros de cachaça produzidos por ano em cinco unidades fabris, entre elas a de Pindoretama, no interior do Ceará
Quase 20 anos depois, o Dr. Everardo, como Telles é chamado pelos mais de 3 mil funcionários do grupo, ainda se emociona ao lembrar do incêndio. Chora, sem um pingo de vergonha. É um dos raros momentos em que ele afirma perder a serenidade, característica essencial aos empreendedores que buscam o sucesso. A serenidade a que ele se refere é sinônimo de equilíbrio para não se deixar abater demais pelos desafios e nem comemorar as vitórias em excesso, a fim de não perder o rumo do negócio. Foi com equilíbrio e uma boa dose de coragem que sob o seu comando o Grupo Ypióca cresceu 45 vezes em produção. Quando Telles assumiu, era um dos maiores fabricantes do país, com 500 toneladas de cana processadas por dia. Hoje, são 8 mil toneladas diárias. A produção, que era de 360 mil litros ao ano em 1978, saltou para 200 milhões de litros no ano passado. As fábricas também se multiplicaram. De uma, na década de 1970, chegaram a seis em 2009. A mais nova foi inaugurada em outubro, na cidade de Jaguaruana, a 180 quilômetros de Fortaleza, consumindo um investimento de R$ 80 milhões, segundo o empreendedor. É apontada como a maior indústria de cachaça do mundo, com capacidade instalada de 90 milhões de litros de aguardente por ano, e também uma das mais modernas no campo do etanol, com a oferta de um produto possível de ser usado na produção de álcool hidratado para combustível, indústrias farmacêutica e química; álcool anidro, próprio para compor a mistura com gasolina; e álcool neutro para a fabricação de bebidas.


Leia MaisNascida na garagem, Dimep domina mercado de controle de ponto do país
O mundo é cor-de-rosaHoje, a Ypióca é líder na produção de aguardente de origem no Brasil. Detém 12% do mercado nacional de cachaça, disputando espaço com mais de 4 mil fabricantes. Em 2009, a empresa faturou R$ 200 milhões e obteve um resultado líquido de R$ 7 milhões. A exportação, iniciada no final da década de 60, consome apenas 5% da produção e segue para 42 países. Com cerca de 30 produtos em linha, entre a cachaça de combate, mais popular, as versões premium, as aromatizadas e as misturas da bebida, a Ypióca tem no envelhecimento um dos principais diferenciais de seus produtos. Desde o comando da terceira geração, a aguardente é estocada em tonéis de bálsamo e freijó por períodos que variam de um a seis anos. São 243 tonéis e 10 mil barris de carvalho. O envelhecimento é um fator importante, mas, segundo Telles, não é o único. Sempre que a empresa adquire uma torre de destilação, ela é desmontada e ganha partes especiais de cobre, o que garante maior sabor à cachaça. “As partes modificadas constituem um segredo que passa de pai para filho, que é, sem dúvida, um dos grandes trunfos da marca”, diz.

Telles ainda não sabe quem herdará o segredo. Dos seus sete filhos, cinco já atuam no grupo em cargos estratégicos. Todos foram preparados para assumir o bastão quando o patriarca se aposentar. “Os cinco têm formação acadêmica dentro e fora do Brasil, com vivência nos Estados Unidos e na Suíça, e, principalmente, têm disciplina, paixão e respeito pela empresa da família”, afirma Telles. “Aqui não há disputas. Há muito trabalho, planejamento e complementaridade de funções”, diz Aline Telles, 39 anos, diretora de marketing e a mais velha entre os irmãos. Disposto a organizar o planejamento sucessório, Telles procurou na década de 90 ajuda de uma consultoria, que reestruturou o organograma societário, orientou os herdeiros a encontrarem seus espaços no grupo e criou a holding. Ainda hoje a direção recorre à SM Consultoria como se fosse um conselho administrativo.

OLHO NO FUTURO | O pioneirismo é uma das marcas do grupo Ypióca >>> É responsável pela primeira cachaça produzida no Brasil, em um alambique de cerâmica trazido de Portugal, no município de Maranguape, Ceará, em 1846

>>> A Ypióca, que em tupi-guarani quer dizer terra roxa, foi pioneira na produção industrial da bebida

>>> A marca foi responsável pelo envelhecimento da aguardente em tonéis

>>> A cachaça Ypióca surpreendeu os consumidores com o uso de conta-gotas. Até então as garrafas eram semelhantes às de cerveja

>>> Até 1968 nenhuma empresa havia exportado a cachaça brasileira. Sob o comando da terceira geração, a bebida chegou à Alemanha

>>> Foi a primeira a produzir em escala industrial cachaça à base de caju e a lançar aguardente com malte
matéria : extraida PEGN

Nenhum comentário:

Postar um comentário