sábado, 13 de novembro de 2010

Produção de juta e malva envolve 15 mil famílias no Norte do país




Como quase tudo na Amazônia, a rotina de seu Francisco segue o ritmo das águas. Após o período das cheias, ele começa a semeadura nas áreas de várzea que afloram à beira do Solimões, à medida que o rio baixa. Lança as sementes muitas vezes ainda na lama, sempre depois de julho. As longas hastes, que se erguem do solo sem que nenhum adubo lhes seja ofertado, são cortadas a golpes precisos de terçado. Nos meses que se seguem, os membros da família de seu Francisco se alternam entre os cortes vigorosos com o facão e a paciente imersão das hastes na água, para assim separar as fibras do caule. O processo não admite interrupções. Logo vêm as chuvas, o rio sobe novamente, engolindo a terra, e o ciclo recomeça.

"Assim é a vida desde que me entendo por gente", diz, apoiado sobre o terçado, olhos voltados para o rio, o agricultor de 73 anos Francisco de Assis Baixote, de Manacapuru, AM. Essa é também a vida de outras 15 mil famílias na Região Norte do país - 10 mil no Amazonas e 5 mil no Pará - que têm no cultivo de juta e malva sua principal fonte de rendimentos.


Hélio Menezes, produtor de Manacapuru, AM: exigências do plantio fazem necessária a contratação de meeiros
De origem indiana, a juta foi implantada na Amazônia por imigrantes japoneses há cerca de 80 anos. A fibra, extraída artesanalmente das hastes longilíneas da planta por ribeirinhos como seu Francisco, é usada como matéria-prima sobretudo para a confecção de sacaria para café e batata. Já a malva é a "prima brasileira" da juta, uma espécie nativa de características muito similares à outra e que teve sua introdução no cultivo comercial mais tardiamente. Embora tenham lá suas particularidades, na prática as duas são tratadas quase como sinônimos por produtores e indústria.

A gama de produtos acondicionados em sacos de juta (e malva) engloba também amendoim, cacau, castanha, fumo e minério. Foi ainda mais ampla num passado recente, até que a fibra vegetal passou a ceder espaço para um plástico, o polipropileno. "Mas a juta é insubstituível no embalamento de café e batata, pois é capaz de controlar a umidade desses produtos", afirma o secretário executivo do Instituto de Fibras da Amazônia (Ifibram), Arlindo Leão.


As hastes colhidas são mantidas submersas e depois lavadas: trabalho demanda paciência e horas dentro d'água
Ele conta que, em 1981, no auge da produção brasileira de juta, cerca de três dezenas de fábricas processaram 95 mil toneladas da fibra. No ano passado, a safra, que já é apenas uma fração do total de três décadas atrás, ainda foi prejudicada pelo excesso de chuvas: a colheita somou 8 mil toneladas e foi adquirida pelas únicas três fábricas remanescentes. Para 2010, a expectativa é de 12 mil toneladas.

Embora os volumes ainda estejam distantes daquele recorde, a curva da importância da juta e da malva como matérias-primas vem sendo revertida. E há potencial para muito mais.

Além do crescimento da produção e da exportação de café, que exigem igual evolução na fabricação de sacaria, as primas juta e malva têm sido valorizadas por conta da sustentabilidade de sua cadeia produtiva. Fibras naturais, portanto biodegradáveis e obtidas sem insumos químicos (salvo o uso de inseticida contra lagartas por um ou outro agricultor), elas são uma alternativa ecológica para a confecção de embalagens e sacolas - um tardio, mas merecido, contragolpe no plástico.

A direção da Companhia Têxtil de Castanhal (CTC), principal empresa do mercado nacional de juta, tem registrado esse crescente interesse. Sacos para café e batata correspondem a mais de 80% de seu portfolio, mas a parcela usada para a confecção de telas para bolsas e sacolas já chega a 7% do total. A companhia, contudo, reivindica apoio oficial para estimular o crescimento da produção agrícola e, assim, elevar a produção têxtil.

A CTC produz sementes de juta e malva fornecidas aos agricultores, que entregam parte da produção como pagamento. Segundo a empresa, o processo demanda o investimento anual de 4,5 milhões de reais para um retorno que só ocorreria dois anos depois. Para Arlindo Leão, do Ifibram, um dos maiores empecilhos para aumentar a área plantada é a dificuldade de obtenção de crédito por parte dos agricultores. "Os agentes financeiros desconhecem as particularidades do cultivo. Seria preciso investir ainda em pesquisa e tecnologia, para desenvolver cultivares mais produtivas e equipamentos que pudessem facilitar o manejo da cultura", afirma.

"É tudo feito manualmente mesmo", diz Hélio Menezes, genro e vizinho de seu Francisco. Há dez anos, ele planta malva e juta em três dos quatro hectares que recebeu do pai, seu Manoel, também produtor da fibra. "Meu pai fazia algumas operações com um tratorzinho, mas o encostou por causa dos custos de combustível e manutenção." Mesmo com uma área relativamente pequena e contando com a ajuda da esposa, Maria, ele precisa contratar meeiros para realizar todas as tarefas.

O período de semeadura vai do final de julho a setembro, sendo preciso fazer capinas frequentes na área. A primeira a ser cortada é a juta, em dezembro. "Alguns dias antes do Natal, já estou afiando o facão para derrubar a bichinha", diz Hélio. A malva começa a ficar pronta para a colheita em fevereiro. Embora menos produtiva, a juta tem ciclo menor, permitindo que os agricultores recebam algum pagamento da indústria mais cedo. Cortadas, as hastes de até mais de três metros de comprimento permanecem em feixes na lavoura por alguns dias. Já sem parte das folhas e mais murchas - portanto, mais leves -, são "afogadas", ou seja, levadas para a água e mantidas submersas.

O processo, que demanda uns quatro dias para a malva e até 12 no caso da juta, é necessário para que as fibras se desprendam mais facilmente do caule da planta. As fibras extraídas são lavadas ali mesmo, retirando-se os detritos. Depois, são feitos os feixes, ou bonecas, deixados a secar nos varais. Hélio recebe 1,50 real pelo quilo da fibra seca, vendida geralmente à CTC.

A produção do Baixo Amazonas viaja de barco até o centro de Manacapuru. Depois vai de caminhão a Manaus, segue por balsa para Belém e é levada a Castanhal, PA, onde está a unidade fabril da CTC.


fonte: globo rural

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