segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Uma salvação para comidas em extinção




A Arca do Gosto, projeto do movimento Slow Food, protege espécies ameaçadas e promove a resistência de comidas típicas, que caminham rumo ao ostracismo.



Umbu, babaçu, castanha de baru, pinhão da serra catarinense e arroz vermelho provavelmente não fazem parte de sua alimentação. E frequentam a mesa de cada vez menos brasileiros. Ameaçados de extinção, esses alimentos deixaram de ser consumidos em comunidades onde, no passado, já foram tradicionais. Mas nem tudo está perdido para esses ingredientes de nomes e formas exóticas e com sabor acentuado. Alguns agricultores, incentivados pelo projeto Arca do Gosto, buscam soluções para a produzir e comerciá-los de forma rentável e, acima de tudo, sustentável.

A pesquisadora Neide Rigo prepara o arroz vermelho durante a aula

A pesquisadora gastronômica Neide Rigo é uma das envolvidas nessa cruzada pela preservação da biodiversidade alimentar. Em uma aula dedicada a alguns desses alimentos tradicionais, ministrada na escola de culinária Wilma Kövesi, na cidade de São Paulo, ela explica que o movimento Slow Food – que vai contra a corrente de fast food em todo o mundo – envolveu-se também num projeto para salvar ingredientes sob risco de extinção. Assim foi criado a Arca do Gosto, que chegou ao Brasil em 2006.

A inspiração para o nome do projeto veio da passagem bíblica na qual Noé salva um casal de cada espécie animal do dilúvio. Já na Arca do Gosto, os vegetais são os resgatados, e o principal inimigo não é a água, mas o esquecimento.

O funcionamento é simples: alguém indica um pequeno produtor ou comunidade que trabalhe com algum elemento tradicional, de origem brasileira ou bem adaptado ao país. Membros da Arca recebem a indicação e visitam o local para degustar o produto e ver se ele é cultivado de maneira sustentável, permitindo a conservação da espécie e do ambiente que o cerca. Para ser aprovado, o produto deve ter qualidade gastronômica, relacionar-se com os costumes locais e fazer parte de sua memória e identidade. A produção deve ser pequena, e a planta ou animal em questão precisa estar em risco (real ou potencial) de extinção.

“O objetivo não é criar um selo de Arca do Gosto ou promover o comércio em grande escala. Queremos apenas incentivar o consumo local e valorizar os pequenos produtores”, afirma Neide. O ideal, segundo ela, seria que alguns restaurantes adotassem os alimentos da Arca em seus cardápios, para difundi-los e ajudar os produtores. Mas como os fornecedores não conseguem se comprometer com quantias fixas dos alimentos todos os meses, nem sempre a parceria é possível.

Mesmo com a produção em pequena escala, algumas das 21 comidas integrantes da Arca do Gosto brasileira já podem ser encontradas em lojas especializadas nos produtos naturais e orgânicos das grandes cidades. Abaixo, conheça três receitas destas comidas típicas e ameaçadas, elaboradas por Neide Rigo.

Umbu

A planta, nativa do nordeste brasileiro, é famosa por seus frutos redondos, que mesmo depois de maduros continuam esverdeados. Este é um dos alimentos da Arca que possui uma fortaleza – nome dado às comunidades que recebem ajuda técnica e financeira do Slow Food para aperfeiçoar sua produção. Os produtores selecionados pela Arca ficam em Uauá, Curaçá e Canudos, na Bahia.

Para fazer em casa: umbuzada

A umbuzada pode ser degustada como uma geleia, acompanhada de pão

Ingredientes

270 gramas de umbus verdes (23 unidades pequenas)
1 xícara (chá) de água
1,5 xícara (chá) de leite ¼ de xícara (chá) de açúcar (ou a gosto)

Como fazer:

Lave bem os umbus, tire restos dos cabinhos e leve ao fogo com a água. Cozinhe por cerca de 5 minutos ou até a água quase secar e os umbus ficarem molinhos. Junte o leite e o açúcar e mexa bem.

Cozinhe por cerca de três minutos, ou até os umbus se desmancharem. Passe por uma peneira para retirar os caroços e sirva quente ou gelada. Se quiser, utilize pão para acompanhar.



Arroz vermelho

De origem asiática, ele chegou ao Brasil no século XVI e se adaptou muito bem. Mas foi proibido de ser plantado em algumas regiões pela coroa portuguesa, que o considerava uma erva daninha. Com isso, sua produção migrou para a região semiárida do país, e o arroz vermelho encontrou um ótimo refúgio no Vale do Rio Piancó, na Paraíba. Sua colheita é complexa, e na região ele é cultivado quase sem nenhuma tecnologia.

O arroz vermelho chegou a ser proibido no Brasil colonial

Para fazer em casa: arroz vermelho com leite

Ingredientes:

1 xícara (chá) de arroz vermelho
2 colheres (sopa) de cebola picada
1 colher (sopa) de manteiga
3 xícaras (chá) de água fervente
1 colher (chá) de sal
1 xícara (chá) de leite fervente

Como fazer:
Lave bem o arroz e escorra. Com a manteiga, refogue em uma panela a cebola, até murchar. Junte o arroz, refogue por um minuto e adicione a água fervente e o sal.

Abaixe o fogo, tampe e deixe cozinhar por cerca de 40 minutos. Quando ainda restar um pouco de água, junte o leite e deixe ferver, mexendo levemente. Sirva com carne de porco ou carne seca.



Pinhão da serra catarinense

Apesar de o pinhão ainda existir em quantidade razoável nas regiões mais frias do país, cada vez mais as araucárias, responsáveis pelas sementes, são substituídas pelos pinheiros canadenses, que têm madeira mais lucrativa. Muitos dos atuais catadores do tradicional pinhão da serra catarinense são associados à cooperativa Ecoserra, que promove a coleta sustentável e integra a Arca do Gosto.

Para fazer em casa: pão com pinhão

O pinhão catarinense pode ser utilizado em diversas receitas de pães

Ingredientes:

1 envelope de fermento biológico desidratado
1 xícara (chá) de água
3 colheres (sopa) de açúcar
Cerca de 1 quilo de farinha de trigo
1 1/2 xícara (chá) de leite
1 colher (sopa) de sal
1 ovo
100 g de manteiga sem sal em ponto de pomada
2 xícaras (chá) de pinhão cozido e finamente triturado no processador ou moído na máquina de carne

Como fazer:

Numa bacia, dissolva o fermento na água. Junte o açúcar e um pouco da farinha. Mexa bem e, quando achar que o fermento está bem dissolvido, junte o leite, o sal, o ovo e o restante da farinha, aos poucos, até ficar uma massa mais firme, que possa ser trabalhada com as mãos. Sove bem a massa até ficar bem homogênea. Junte o pinhão e a manteiga e sove mais até misturar tudo. Se for preciso, junte mais farinha.

Cubra a massa com plástico e deixe em repouso até dobrar de volume. Divida a massa em quatro, abra em retângulo comprido, usando um rolo ou cilindro, e enrole como rocambole. Coloque em assadeira untada e enfarinhada. Cubra com pano e deixe crescer novamente até retomar o volume perdido com o manuseio. Polvilhe farinha de trigo e leve ao forno pré-aquecido em temperatura alta (cerca de 280 ºC). Deixe assar 10 minutos. Abaixe a temperatura para 180 ºC e deixe assar por mais 50 minutos. Rende quatro pães.


Fonte :Globo rural.

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