quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Grãos com menos sede





Pesquisadores investem no estudo de plantas resistentes à seca, para ajudar a agricultura a garantir o futuro da alimentação, frente à iminente escassez de água no mundo.



A produção brasileira de grãos tem sofrido repetidas perdas por conta da constante elevação das temperaturas e de períodos de seca mais frequentes. Na safra 2003/2004, pro exemplo, o Rio Grande do Sul teve queda de 30% em sua colheita de soja, fração que saltou para 70% na temporada seguinte, com médias de produtividade de apenas 500 quilos por hectare (o normal seria um rendimento no mínimo três vezes maior). Estima-se que, nessas duas safras, o prejuízo tenha sido de US$ 4 bilhões em toda a região Sul. A cifra expressiva revela o quanto é importante encontrar meios para mitigar os efeitos perversos da estiagem - e os pesquisadores brasileiros têm se esforçado nesse sentido.

A soja ocupa lugar de destaque entre os estudos para a obtenção de variedades resistentes ao stress hídrico, especialmente por ser o principal grão cultivado no país, com expectativa de colheita de 67,5 milhões de toneladas na safra 2009/2010. As pesquisas tiveram início em 1990, por iniciativa da Embrapa Soja, de Londrina, PR, que começou a trabalhar com variedades convencionais, mas logo passou à transgenia, técnica que ganhava força no final daquela década. Os estudos tomaram um rumo decisivo a partir de 2003, com a parceria entre o órgão brasileiro e a Japan International Research Center for Agricultural Sciences (Jircas), empresa de pesquisa vinculada ao governo japonês.

'O Japão importa cerca de 90% da soja que consome, por isso tem interesse na sustentabilidade da produção ao redor do mundo', afirma Alexandre Nepomuceno, pesquisador da Embrapa Soja. E foram exatamente os japoneses que, no final da década de 1990, patentearam o gene denominado Dreb (sigla em inglês para proteína de resposta à desidratação celular), que codifica uma proteína e aciona as defesas naturais da planta contra a perda de água. O Dreb foi extraído da Arabidopsis thaliana, da família da mostarda, primeiro vegetal a ter o genoma sequenciado.


Plantações de soja no Sul do país, como em Londrina, PR, estão entre as potenciais beneficiadas por uma variedade mais tolerante à seca
Por meio do acordo com o Jircas, o Dreb foi introduzido em uma cultivar de soja brasileira: a variedade BR16, altamente produtiva, mas sensível à seca. Em estudos realizados em casas de vegetação, o desempenho da planta geneticamente modificada foi cerca de 10% superior ao da convencional em todos os parâmetros, a exemplo de eficiência na fotossíntese, número de legumes e transpiração. 'Se esses bons resultados forem comprovados em campo, o gene Dreb será inserido no programa de melhoramento genético da Embrapa', diz Nepomuceno.

Os resultados obtidos em laboratório e casas de vegetação são tão promissores que, pela primeira vez, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) autorizou o plantio no campo da soja transgênica que leva o Dreb. 'O cultivo foi realizado em novembro de 2009, e este ano teremos os primeiros resultados de colheita', afirma o pesquisador, que também é membro da CTNBio.

Bahia e Mato Grosso do Sul, além dos estados da região Sul, devem figurar entre os beneficiados pela criação de uma cultivar de soja mais resistente à estiagem, que deve estar disponível aos agricultores dentro de seis anos.
No caminho da internacionalização dos estudos, a Embrapa Soja assinou no início deste ano um projeto com a Agência de Cooperação Internacional do Japão (Jica). O objetivo é que, por mais 8 anos, sejam testados o gene Dreb e outros que possam conferir à planta resistência à seca e ao calor. O Brasil participa ainda da segunda fase do sequenciamento do DNA da soja. Nesta etapa, os pesquisadores procuram identificar a função de cada gene no desenvolvimento do grão - e o que faz a planta ser tolerante ou sensível à seca, à ferrugem e até aos nematóides.


Feijão está incluído nas pesquisas da Embrapa sobre resistência à seca. Quatro genes estão sendo estudados
Menos água no feijão

Não é apenas a soja que vem testando o gene Dreb no Brasil: também algodão, cana, milho e feijão foram incluídos na parceria com o Jircas, ao final de 2007. No caso do feijão - que possui grande importância na dieta nutricional dos brasileiros e do qual o país é o maior produtor mundial (estima-se uma safra de 3,5 milhões de toneladas no ciclo 2009/2010) -, há três outros genes que estão sendo analisados para verificar o nível de resistência ao deficit de água.

De acordo com Francisco Aragão, pesquisador da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, responsável pelo estudo, há várias áreas tradicionais no cultivo do grão que possuem probabilidade de perdas significativas em função de secas prolongadas ou mais curtas (os chamados veranicos). Regiões como o sul da Bahia, norte de Minas Gerais, Goiás, São Paulo e Mato Grosso estariam entre as mais beneficiadas pela oferta de uma variedade de feijão resistente à estiagem. 'Não criamos cactos. Queremos vegetais que sobrevivam ao período da seca, mas que depois possam retomar seu crescimento normal. Nosso objetivo é evitar calamidades', afirma.

Segundo Aragão, um período de duas a três semanas com pouco acesso à água já é suficiente para causar danos à produção de feijão. Assim, a meta é conseguir fazer com que a planta supere esse intervalo de tempo sem sofrer muito.

A estimativa é de que leve entre sete e dez anos para que a nova cultivar esteja disponível aos produtores, já que ainda restam as etapas de testes em campo, análise de biossegurança e os trâmites para a liberação comercial.


Fonte : Globo rural.

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