quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

Resgate da cor




Coloridas, diferentes, as ovelhas de lãs escuras começam a destacar-se na paisagem (branca) da ovinocultura brasileira.




No mundo velho sem porteira da pecuária nacional, desde 2006 opera a Associação Brasileira de Criadores de Ovelhas de Lãs Naturalmente Coloridas (Abconc). Ao contrário do que parece, não é mais uma dissidência racial, e sim uma verdadeira coalizão dentro da ovinocultura nacional, toda compartimentada em raças especialistas em lã ou carne. Não fosse tão pretensiosa, a nova entidade poderia acomodar-se simplesmente como o "departamento de ovelhas negras" da poderosa Associação Brasileira dos Criadores de Ovinos (Arco), fundada em 1942. Mas na pecuária ninguém se contenta em andar na garupa, nem mesmo os criadores desses animais, cujo maior talento é produzir lindos pelegos de alto valor.
Sucessora da ex-associação dos criadores de ovinos da raça karakul, fundada em 1984, a Abconc congrega criadores de todas as ovelhas de pelagem escura, não importa a raça - corriedale, crioula, ideal, ile-de-france, karakul, merino, romney-marsch, suffolk, texel, etc. Frutos aleatórios da ressurgência de gens sepultados por séculos de ênfase na produção de lã branca, as ovelhas negras e similares são marginais desde os tempos bíblicos. Representam naturalmente de 1% a 2% dos nascimentos da espécie. Sempre foram criadas mais por hobby que por economia. Paradoxalmente, são esses obscuros animais que estão ajudando a ovinocultura brasileira a sair de um atoleiro mercadológico.

Em março deste ano, dezenas de ovinos de lãs coloridas ocuparam baias na Feinco, em São Paulo, o maior evento do setor, onde se apresentam milhares de ovinos de todas as raças "brancas".


Peão toca rebanho no Pampa gaúcho: ovinos coloridos participarão da Feinco neste mês, em São Paulo

A vocação das ovelhas coloridas para a notoriedade não se restringe ao nome politicamente correto da associação, que tenta explorar um nicho aberto nos anos 1980 pela expansão das lãs sintéticas e a simultânea saturação do mercado de lãs artificialmente tingidas. O grande diferencial das ovelhas de cor está em suas lãs de fios grossos com pelo menos 14 tons distintos (na realidade, seriam 27 tonalidades, segundo algumas fontes), variando do preto ao bege e passando pelo marrom e o cinza-prateado - matizes que ainda podem sofrer mudanças graças a banhos em caldas da flora sulina, como o alecrim, a carqueja e a chirca. (Respeitando o saber popular, a coleta desses vegetais tingidores deve ser feita ao amanhecer na lua nova. Fora daí, não dão bom resultado.)

Para completar quadro tão peculiar, a Abconc é presidida por Eduardo Amato Bernhard, veterinário de 36 anos que nasceu, vive e trabalha em Porto Alegre. Gerente técnico de um laboratório de produtos veterinários, ele não cria ovinos, apenas coleciona miniaturas desses animais. Embora não tenha origem rural, viaja constantemente pelo Sul para atuar como juiz de certames ovinos ou para atender aos cerca de 70 membros da associação - a maioria mulheres, outra novidade num reduto tradicionalmente dominado por homens.

É uma virada numa história marcada pelo predomínio das ovelhas de lã branca. "A Arco finalmente se abriu para o registro de todas - todas, sem exceção - as ovelhas coloridas", diz Bernhard. Sem querer, o presidente das ovelhas negras tornou-se o denominador comum de uma convergência de interesses visando tirar a ovinocultura da crise das duas últimas décadas.


Paulo Schwab, da Arco, com dois animais da raça texel (os menores) e dois corriedales

O maior aliado de Bernhard nessa cruzada genético-mercadológica é Paulo Afonso Schwab, presidente da Arco, a instituição legalmente responsável pelo cadastro genealógico da ovinocultura nacional. Iniciado pelas raças karakul e crioula (que mantém uma associação própria, criada em 1999), o registro de animais coloridos só não anda mais depressa porque a maioria dos criadores não dispõe de recursos (ou não tem interesse) para bancar a anuidade e os custos das três visitas técnicas obrigatórias para a avaliação tipológica de um cordeiro.


Fonte : Globo Rural

Nenhum comentário:

Postar um comentário