quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

E a crise, rabino?


Tempos de crise econômica deveriam propiciar revisões sobre propósitos e estilo de vida, em busca do saudável equilíbrio. Mas não é o que em geral ocorre. Em vez disso, a maioria das pessoas tende para visões extremadas. Algumas radicalizam seu apego aos bens materiais. Outras vão em busca de atalhos mágicos. Poucas optam pelo caminho do meio. “A negação da materialidade conduz justamente para o campo oposto, onde as pessoas querem se imaginar angelicais, fora da dimensão humana”, afirma o rabino Nilton Bonder, 52 anos.

Líder espiritual da Congregação Judaica do Brasil, doutor em literatura hebraica pelo Jewish Theological Seminary e formado em engenharia pela Universidade de Columbia, Bonder é hoje o principal responsável pela popularização dos ensinamentos da cultura judaica no Brasil. Faz isso escrevendo best-sellers classificados como autoajuda. A Cabala do Dinheiro, A Cabala da Inveja e A Alma Imoral, alguns de seus livros, foram lançados também nos Estados Unidos, na Europa e Ásia. No depoimento a seguir, Bonder expõe ideias que conciliam Céu e Terra.

>>> SOBRE O IMPACTO DA CRISE

“Acho que, isoladamente, não produzirá uma reflexão madura. Vejo as pessoas utilizando sempre os velhos truques protecionistas em relação a seu patrimônio, em vez de empreender uma ação solidária. Isso significa que não entenderam que seus ativos só terão valor em economias em que o bem coletivo seja mais valorizado do que o privado. As bolhas sempre representam tentativas de ‘ter para si’. Não refletem uma economia de verdadeiro investimento. São mecanismos complexos que só aparentam ser parte da economia real, mas não passam de multiplicações e alavancagens virtuais. A imaginação e suas abstrações são mágicas. E a mágica predileta é justificar a si e a seus interesses. Precisaremos de outros fatores catastróficos (entre eles os ecológicos) para que esta ficha caia de forma mais contundente.”

>>> MELHOR X MAIOR

“Se realmente estamos tentando ser os melhores, não há nada de errado nisso. O problema é querer ser o maior. As pessoas que tentam ser as melhores, em todos os campos, vão para um lugar extremamente gratificante, que é o de ultrapassar as barreiras, ver seu esforço verdadeiro ser retribuído. Ser melhor implica disciplina, esforço, trabalho. Mas muitas pessoas querem ser as maiores. O que normalmente implica atalho, mágica, se dar bem, tirar do caminho aqueles que são melhores. Esse sonho de ser o maior é ilusório. Quem quer ser o maior vai descobrir a insignificância humana. Aqueles que continuam na busca da excelência verdadeira por meio do trabalho, do estudo – não para o engrandecimento de si mesmos, mas para cumprir sua função existencial, para dar vazão aos seus dons – terão um retorno maravilhoso. O que você conquistou em busca de sua melhor capacidade, isso é o sagrado.”

>>> A DIMENSÃO ESPIRITUAL

“Muitas vezes, quando as pessoas entram no caminho espiritual, não o fazem plenamente. Porque talvez elas não sejam bem-sucedidas, e vão buscar isso como um truque para valorizar suas vidas, numa sociedade tão voltada para o mérito e a capacidade. Hoje a espiritualidade ocupa o espaço de poder oferecer sentido e valor àqueles que não são celebridades. ‘Como foi possível que outros tenham conseguido se tornar celebridades, ter sucesso, ficar muito ricos, e eu não?’ É como se você não compartilhasse de um segredo, como se fosse algo externo a você. Na verdade, a busca por um lugar sagrado de paz não é algo externo, mas interno. Esse é um dos grandes problemas de nosso mundo. Em parte, há a mídia, a ilusão transformada em audiovisual, em iPod, em televisão, em computador, internet – essa coisa que é fantástica mas, ao mesmo tempo, gera angústia: ‘Por que dormir, se o mundo está acordado 24 horas’? É tão perversa a idolatria hoje em torno da ideia de se tornar bem-sucedido que se consegue fazer uso até mesmo da espiritualidade, vendê-la camuflada como mais um produto, como é o caso das promessas da obra O Segredo.”

>>> O ESTRESSE

“Quantas vezes agredimos nosso corpo, dizendo ‘você tem de conseguir, tem de fazer, tem de realizar’? O estresse é exatamente isso, o corpo dizendo ‘não aguento’ e nós insistindo, batendo. Então, a maldição é o momento em que você, em vez de abraçar as possibilidades da vida, que é repleta de bênçãos, por causa de algum projeto exterior começa a agredir a si próprio. Isso pode ser de maneira física, emocional, como querer muito alguma coisa, ou pode ser até mesmo de maneira espiritual. Essas maldições ‘ganham’ a materialidade de uma doença, a materialidade de um azar constante que se repete, e você continua tentando, sem parar para pensar ‘deve ter alguma coisa na minha intenção que faz com que os meus erros se repitam’. O problema não está na técnica ou na estratégia. Quando uma coisa sai errada muitas vezes, com certeza é a intenção que está errada.”

>>> A POPULARIZAÇÃO DA CABALA

“O mundo está muito sedento por encontrar caminhos espirituais. A cabala é uma tradição de grande riqueza, profundidade, simbolismo, um patrimônio da humanidade. E está aí para as pessoas usufruírem. Mas usufruir depende muito da intenção das pessoas. Não vou me referir a nenhum mestre, a nenhum grupo, mas digo: se você foi trazido à cabala pela vontade de ser especial, ou se alguém te apontou esse caminho como um ‘grande segredo’, e que de posse dele você vai ser muito especial, de antemão afirmo que você está em busca de um produto, que vai ser apenas uma extensão do que você encontra num supermercado. E que eles estão muito interessados no seu dinheirinho.”
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